quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Uma pequena nota biográfica sobre Pinho Leal, historiador de oitocentos, ideal para uma noite de insónia, ou uma história que parece não ter nada a ver com os objectivos inicais deste blog (mas tem!) e que o autor não resiste a contar...




Vamos lá então falar deste ilustre “quase desconhecido” que deu pelo nome de Pinho Leal e em cujo "Diccionario" muito se inspirou o post anterior sobre a história da aldeia.

De seu nome completo Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho Leal, atravessou a vida de forma aventurosa e envolto nalgum mistério. Desde logo, o local do seu nascimento está envolto nalguma bruma... Penamacor, Romariz, no concelho de Sta. Maria da Feira (onde casou) e Belém em Lisboa surgem como candidatos... Mas foi em Lisboa que realmente nasceu e a incerteza ainda hoje perdura devido à história que contarei mais adiante. O que é certo é que nasceu em 1816 e o seu nome fica para a posteridade sobretudo como um perseverante investigador (eu diria um detective) e estudioso da realidade do Portugal de oitocentos, da sua história, a grande mas por vezes também a “pequena”, as lendas, os mitos, os usos e costumes das populações, as instituições, os monumentos, a onomástica e a toponímia e muitas outras realidades, compiladas em 18 volumes sob o título, extenso e poético, “Portugal antigo e moderno, diccionário geográphico, estatístico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico de todas as cidades, villas e freguesias de Portugal e grande número de aldeias”, publicados a partir de 1873. Miguelista convicto e aventureiro impenitente, vale a pena deixar aqui um retrato da sua vida (muito inspirado do site da Junta de Freguesia de Romariz – excelente, diga‑se de passagem, que o apresenta como “um dos romarizenses mais ilustres que em Romariz nasceram e viveram”, embora logo a seguir indique como local de nascimento Bélem, Lisboa). Nascido então em Lisboa, logo após o nascimento foi levado para Penamacor, onde residiam seus pais e onde foi baptizado. Ora, e aqui fica esclarecida uma parte do mistério que envolve o local do nascimento, segundo o direito canónico era necessária uma autorização do Bispo para alguém ser baptizado numa paróquia diferente da da residência dos pais. Daí a omissão do local de nascimento que tanta confusão gerou... Quanto à data, é natural que seja 16 de Outubro, como o próprio Pinho Leal afirma. Convém ter presente que o Direito Canónico exigia ser o baptizado realizado até 8 dias após o nascimento, sob pena de sanção. Como o baptizado foi a 30 de Novembro, o pároco deve ter retardado a data para mais ou menos 8 dias antes do baptizado, ou seja, para 21 de Novembro, com o intuito de evitar sanções. Em Penamacor passou os primeiros anos da infância. Aos 6 anos seguiu com os pais para o Brasil. Voltando a Portugal , que correu de Norte a Sul, “aos dez anos já tinha percorrido 2 500 léguas”. Assentou praça em Caçadores 4, em Castro Marim e em 1826 foi para Ayamonte, Espanha. Aos 12 anos emigrou para Arnedo, Espanha, voltando pouco depois a Lisboa, onde se matriculou no Colégio dos Nobres, que frequentou durante um ano. Passo agora a citar o site da Junta de Freguesia de Romariz “Transferindo-se para o Porto, cursou Matemáticas na Academia da Marinha e Comércio. Aos 18 anos participou, como Alferes, na Batalha da Asseiceira, onde foi ferido por uma bala e feito prisioneiro pelos constitucionalistas. Em consequência da Convenção de Évora-Monte, foi libertado, em Junho, do Castelo de S. Jorge, onde se encontrava preso. Várias destas andanças foram relatadas por carta a Camilo Castelo Branco, seu amigo, que as publicou nos seus romances A Brasileira de Prazins e A Viúva do Enforcado. Desanimados com a evolução dos acontecimentos políticos, pois os absolutistas haviam perdido a guerra civil, Pinho Leal e seu pai, agora tenente quartel-mestre, renunciam à carreira militar e retiram-se para Paradela e mais tarde para Louredinho, Vale, Santa Maria da Feira, onde seu pai foi apunhalado por um liberal como represália política, ficando paralizado e vindo a falecer em 24 de Dezembro de 1838. Orfão e na miséria, Pinho Leal passa horas de cruel angústia em Louredinho, até porque tinha a mãe doente. A 26 de Setembro de 1839 casa com Maria Rosa de Almeida da casa do Castro do Carvalhal, em Romariz, dedicando-se à pintura e ao restauro de imagens antigas. Em 1840, ao pintar a Igreja de Stª Eulália, em Arouca, encontrou na livraria do pároco o "Diálogo de Vária História" de Pedro Muniz, que devorou, surgindo-lhe daqui a ideia de escrever aquela que viria a ser a sua grande obra subordinada ao tema da história. O momento não podia ser mais oportuno, uma vez que em 1846 estalava a revolta da Maria da Fonte, logo seguida da Patuleia. Como tinha sido promovido a Capitão a 1 de Dezembro de 1846, parte então para o Norte nessa qualidade, sendo feito prisioneiro em Trás-os-Montes, pelos cartistas . Ao seguir para o Porto, sob prisão, na travessia do Douro, na zona da Régua, os barqueiros desarmam os guardas, mesmo no meio do rio, e dão fuga aos prisioneiros, voltando Pinho Leal para a sua casa, no Carvalhal. Por esta altura é nomeado sub-delegado do procurador régio no julgado de Fermedo, onde era juiz o Dr. José Joaquim de Oliveira Valente, tal como ele Miguelista, mas com o qual se incompatibilizou.”

Ainda não tinha desistido de escrever um dicionário. O que não tinha era dinheiro. A oportunidade apenas surgiu bastante mais tarde...

Em 1860, graças ao valimento de um amigo e aos seus dotes de calígrafo (vale a pena ler: http://www.prof2000.pt/users/avcultur/AveiDistrito/Boletim13/page18.htm), que lhe permitiam imitar facilmente escritas e assinaturas alheias, consegue a administração da Casa do Covo, em Oliveira de Azeméis. O Conde do Covo tinha prazos em quase todas as províncias de Portugal. Isto permitirá ao nosso herói percorrer todo o país, recebendo foros e renovando contratos. Nas horas vagas, visita arquivos e recolhe elementos para a obra que projectara. Numa dessas viagens, Pinho Leal, que como poucos conhecia geologicamente o país e muito se dedicava ao estudo de minas, descobriu os jazigos de Carvão de Castelo de Paiva. Por essa descoberta, sustentou, durante anos, duro pleito judicial em Lisboa. Ganhou a questão e vendeu por quatro contos de réis os seus direitos de descobridor, instalando-se em Lisboa (1865). Ao fim de 6 anos regressa ao Carvalhal com um volumoso dossier, e durante os 7 anos seguintes mais não faz do que pôr em ordem os seus apontamentos e escrever cartas a toda a gente, conhecida e desconhecida, pedindo informações. Segundo um seu parente, Alfredo Gonçalves de Azevedo, Pinho Leal escreveu quase toda a sua obra na sua residência, no Carvalhal, Romariz. Em 1873, parte de novo para Lisboa para acompanhar a publicação da sua obra mais de perto, o que só foi possível graças à influência de Camilo Castelo Branco e à boa vontade do seu editor e amigo Mattos Moreira. Aquando da publicação do X volume do seu dicionário de história, adoece gravemente, retirando-se para o Porto, onde veio a falecer em 2 de Janeiro de 1884, sendo sepultado no cemitério Ocidental - Agramonte. Teve um funeral pomposo, apesar de ter morrido pobre. Ia engalanado com banda e a medalha da antiga Sociedade dos Arquitectos e Arqueólogos Portugueses, e vestido com a farda de alferes do extinto Batalhão de Caçadores 3, da Beira Baixa, em que havia militado. Depois de conduzido em carro fúnebre, tirado por duas parelhas, até à igreja matriz de Lordelo do Ouro, que estava literalmente coberta de crepes, teve aí pomposas exéquias e, em seguida, foi levado para o respectivo cemitério paroquial, onde foi provisoriamente depositado, na sepultura da família do seu senhorio e amigo Manuel Ferreira de Carvalho. O seu féretro foi acompanhado até à igreja e desta ao cemitério pela banda marcial de Caçadores 9.
Os últimos volumes da obra foram já coligidos pelo seu amigo Pe Pedro Augusto Ferreira, abade de Miragaia, em 1890. Além do « Portugal Antigo e Moderno » e de colaboração na imprensa periódica do seu tempo, Pinho Leal publicou o “Manual Jurídico do Mineiro” e, sob o pseudónimo de Patrício Lusitano e de parceria com Pedro Augusto Ferreira, abade de Miragaia, “O Mistério da Granja do Tedo”.

São ainda de sua autoria várias peças teatrais, em prosa e em verso, levadas à cena por alguns agrupamentos populares e então muito aplaudidas.

Deixou também um pequeno caderno manuscrito, datado de 1863 e intitulado Brasões das Principais Famílias de Portugal, composto de quarenta e nove folhas de papel vergé, em que figuram quarenta desenhos de brasões primorosamente executados, uns a lápis e outros tracejados a nanquim, e mais nove com as suas cores e indicação dos respectivos metais.

Ao que parece nem sempre muito rigoroso (ver http://purl.pt/12103/1/hg-7360-v/hg-7360-v_item2/hg-7360-v_PDF/hg-7360-v_PDF_01-B-R0300/hg-7360-v_0026_449-468_t01-B-R0300.pdf), romancista e sonhador mais do que historiador, Pinho Leal foi um investigador incansável e minucioso. Simultaneamente historiador, investigador, intérprete de crenças e lendas, oficial do registo, contabilista, fiscal, absolutamente tudo passou pelo seu crivo: as origens de nomes de pessoas e terras, as crenças e festividades, os crimes graves ou as burlas soezes e quotidianas, além de outras minudências da vida colectiva. Esmiuça como um jornalista a actividade de cada aldeia ou vila de Portugal, de Norte a Sul, o tamanho dos assadores e das adegas, os cursos dos rios e as propriedades mágicas e curativas atribuídas às águas.

Se a insónia persistir, experimentem lançar uma busca no Google com o nome “Pinho Leal”, verão que se trata de uma figura abundantemente citada em sites de Juntas de freguesia e Câmaras municipais, que, descrevendo as histórias, mitos e lendas das respectivas povoações, não podem passar em claro o seu nome, embora muitas vezes discordem das suas teorias, relatos e associações...

Um agradecimento aos seguintes sites

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pinho_Leal

1 comentário:

Anónimo disse...

Vou por essa noite de insónia. O fantasma de Vale de Lobos, faz-me o mesmo, aqui no Vale Dourado.JL